A família é nosso berço. Foi ali que iniciamos nosso
trajeto, que aprendemos as primeiras regras da vida, que recebemos afeto. A
família é o início de nossa vida, um lugar que, em nosso registro, semeia a lembrança
do acolhimento.
Mas também é onde fomos ensinados que existem regras. A
partir da família iniciamos o processo de tomar contato com nossa
personalidade, ou com aquilo pensamos que somos. Ali se formam nossos primeiros
traumas, nosso sentimento de incapacidade, de dependência afetiva. Na família aprendemos
a vestir mascaras para agradar, para conviver, muitas vezes disfarces, papeis
que exercemos nesse seio de acolhimento, mas que no fundo não nos faz bem.
A constelação familiar é um núcleo onde membros tem um
objetivo comum, transcender suas restrições e prestar auxílio mutuo nesse
propósito. Cada núcleo familiar é formado pelo menos de um aspecto conectado à
matriz de sofrimento planetária, onde aquele grupo decidiu superar em conjunto.
Mas até que isso se dê vestimos os personagens dessas
restrições, assumimos papeis ativos de drama, de proteção, de carência. Papeis
que não dizem sobre nossa essência, mas que incorporamos para aprender a
sobreviver no mundo.
Nesse meio assumimos personagens, vestimos disfarces de
escassez, de medo, de vitimização, de anseios e, nesses papeis, cobramos para que
cada membro exerça seu personagem, para que o núcleo se mantenha sólido, seguro
e assim possamos deixar intacto nosso berço de recepção.
Temos medo que esse núcleo se desfaça, que ele se quebre,
que os papeis deixem de ser exercidos. Afinal, é um dos poucos berços de
segurança e acolhimento que temos nesse planeta. As movimentações dos núcleos
familiares são sempre doloridas à nossa alma. Lutamos por fazê-lo permanecer
como encontramos, como fomos recepcionados. É um dos poucos locais que
voltaremos e encontraremos pessoas que nos amam, que nos compreendem, que
conhecem nossa história. É um lugar onde não nos sentimos tão solitários.
Mas esse sentimento também amarra, prende, não permite nossa
autenticidade. Muitas vezes temos que nos aquietar, fingir que aceitamos para
que ele possa permanecer na segurança inicial. Preferimos nos manter nesse
papel a seguir nosso coração, a agarrar nossa liberdade.
O núcleo familiar é o local onde começamos a estruturar
nossa personalidade humana. Personalidade essa que tantas vezes nos restringirá
na vida. Que lutamos diariamente em busca de transcende-la e que, tantas vezes,
nos fará sofrer em razão de nossos apegos, de nossos dramas emocionais, de
nosso sentimento de incapacidade, de sermos menores, não merecedores, de nossos
traumas.
Ao mesmo tempo que há tanto acolhimento no núcleo familiar,
também há essa cobrança, essa necessidade de se manter a estrutura inicial, o
que se transforma em uma dificuldade de movimentação, de desvinculação.
Muitas vezes é justamente aí que aflora nosso sentimento de
solidão, porque mesmo envoltos no berço de nossa criação somos capazes de nos
sentir tão incompreendidos em nossos sentimentos, em nossa essência. É um amor
que se transforma em dor e que nos causa grande confusão, porque amamos,
gostamos, queremos bem e ao mesmo tempo sentimos o anseio de nos libertar, de
sair em busca de nossa autenticidade.
Durante uma fase de nossa vida a solidão nos arrebatara, e ainda
que em meio ao núcleo familiar nos sentiremos solitários. Será o chamado de
nossa alma para que possamos sair em busca de nossa essência. Não significa que
deixamos de amar, que fomos ingratos, que não queremos bem aqueles que nos receberam
com tanto amor, mas nossa alma nos chamará à descoberta de nós mesmos.
Sentiremos o chamado que nos levará ao rompimento, muitas vezes, a transcender
nossos personagens, os medos que se desenvolveram nesse ambiente.
É um grande conflito em nossa consciência: a solidão dentro
do núcleo familiar. Deixamos de nos encaixar junto aqueles a quem nutrimos
tanta admiração, tanto carinho, mas simplesmente estamos sendo chamados a sair a
nos descobrir.
É isso que a solidão faz. Ela se torna um chamado se soubermos
trabalhar com equilíbrio diante desse sentimento, dessa luz em nossa vida. Sim,
a solidão é uma luz, pois como uma dor é um chamado para irmos ao encontro de
nossa alma e descobrirmos aquilo que nos reprime, que nos aflige, que não nos
permite descobrir nossa essência, nossa verdade.
E isso ocorre também nos núcleos familiares, quando somos
levados pelo drama, pela vitimização, pela chantagem emocional daqueles que
simplesmente têm medo de nos perder, de deixar ir aquele velho conhecido que
tantas vezes o auxiliou. É apenas mais um medo de ficarmos solitários
novamente.
Ao mesmo tempo, quando passamos por esse sentimento, temos
uma enorme oportunidade de seguir nosso caminho, tomarmos contato com nossa
alma, com nossa essência, rompermos com aqueles personagens e, quando
preparados e prontos, voltarmos fortalecidos para ensinar aqueles que ficaram a
fazer igual, para estendermos à mão. Deixamos o rastro para que eles
compreendam que apenas fomos nos buscar, mas jamais deixamos de amar, apenas
sentimos o chamado de nossa alma e a necessidade de rompermos com o vínculo que
não nos permitia ser verdadeiros em toda nossa essência.
Assim são organizados esses núcleos. Através de um esquema
que mantem todos presos nesse drama de auxilio mutuo, porém, paradoxalmente,
onde todos se sentem mais confortáveis e seguros diante dos desafios da vida.
Quantos são aqueles que passam uma vida toda sem conseguir
transcender os bloqueios, os medos, os traumas que nos trazidos pelo núcleo
familiar? Ficamos presos pelo apego, pelo drama e, porque não, pelo amor que
sentimos um pelo outro.
Nunca, porém, é demais lembrar que o verdadeiro amor
liberta, permite que se vá. O verdadeiro amor é aquele que ajuda a fortalecer
para que quando estiver pronto se vá, desvincule-se para que depois fique
apenas essa lembrança de acolhimento em toda sua pureza, sem os dramas, sem as
cobranças, sem as chantagens, sem aquele sentimento que teme a perda, que teme
a solidão da vida.
A solidão no núcleo familiar, quando sentida, deve ser
respeitada, deve permitir que se vá, que se acabe, para que assim o amor
perdure, para que a verdadeira ajuda se dê, para que os membros desse berço
cumpram seu propósito, que é se descobrir em essência e liberdade.
Thiago Strapasson - 28/08/2017
Fonte: www.pazetransformacao.com.br