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segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Porque nos sentimos solitários em meio à família? - Thiago Strapasson



A família é nosso berço. Foi ali que iniciamos nosso trajeto, que aprendemos as primeiras regras da vida, que recebemos afeto. A família é o início de nossa vida, um lugar que, em nosso registro, semeia a lembrança do acolhimento.

Mas também é onde fomos ensinados que existem regras. A partir da família iniciamos o processo de tomar contato com nossa personalidade, ou com aquilo pensamos que somos. Ali se formam nossos primeiros traumas, nosso sentimento de incapacidade, de dependência afetiva. Na família aprendemos a vestir mascaras para agradar, para conviver, muitas vezes disfarces, papeis que exercemos nesse seio de acolhimento, mas que no fundo não nos faz bem.


A constelação familiar é um núcleo onde membros tem um objetivo comum, transcender suas restrições e prestar auxílio mutuo nesse propósito. Cada núcleo familiar é formado pelo menos de um aspecto conectado à matriz de sofrimento planetária, onde aquele grupo decidiu superar em conjunto.

Mas até que isso se dê vestimos os personagens dessas restrições, assumimos papeis ativos de drama, de proteção, de carência. Papeis que não dizem sobre nossa essência, mas que incorporamos para aprender a sobreviver no mundo.

Nesse meio assumimos personagens, vestimos disfarces de escassez, de medo, de vitimização, de anseios e, nesses papeis, cobramos para que cada membro exerça seu personagem, para que o núcleo se mantenha sólido, seguro e assim possamos deixar intacto nosso berço de recepção.

Temos medo que esse núcleo se desfaça, que ele se quebre, que os papeis deixem de ser exercidos. Afinal, é um dos poucos berços de segurança e acolhimento que temos nesse planeta. As movimentações dos núcleos familiares são sempre doloridas à nossa alma. Lutamos por fazê-lo permanecer como encontramos, como fomos recepcionados. É um dos poucos locais que voltaremos e encontraremos pessoas que nos amam, que nos compreendem, que conhecem nossa história. É um lugar onde não nos sentimos tão solitários.

Mas esse sentimento também amarra, prende, não permite nossa autenticidade. Muitas vezes temos que nos aquietar, fingir que aceitamos para que ele possa permanecer na segurança inicial. Preferimos nos manter nesse papel a seguir nosso coração, a agarrar nossa liberdade.

O núcleo familiar é o local onde começamos a estruturar nossa personalidade humana. Personalidade essa que tantas vezes nos restringirá na vida. Que lutamos diariamente em busca de transcende-la e que, tantas vezes, nos fará sofrer em razão de nossos apegos, de nossos dramas emocionais, de nosso sentimento de incapacidade, de sermos menores, não merecedores, de nossos traumas.

Ao mesmo tempo que há tanto acolhimento no núcleo familiar, também há essa cobrança, essa necessidade de se manter a estrutura inicial, o que se transforma em uma dificuldade de movimentação, de desvinculação.

Muitas vezes é justamente aí que aflora nosso sentimento de solidão, porque mesmo envoltos no berço de nossa criação somos capazes de nos sentir tão incompreendidos em nossos sentimentos, em nossa essência. É um amor que se transforma em dor e que nos causa grande confusão, porque amamos, gostamos, queremos bem e ao mesmo tempo sentimos o anseio de nos libertar, de sair em busca de nossa autenticidade.

Durante uma fase de nossa vida a solidão nos arrebatara, e ainda que em meio ao núcleo familiar nos sentiremos solitários. Será o chamado de nossa alma para que possamos sair em busca de nossa essência. Não significa que deixamos de amar, que fomos ingratos, que não queremos bem aqueles que nos receberam com tanto amor, mas nossa alma nos chamará à descoberta de nós mesmos. Sentiremos o chamado que nos levará ao rompimento, muitas vezes, a transcender nossos personagens, os medos que se desenvolveram nesse ambiente.

É um grande conflito em nossa consciência: a solidão dentro do núcleo familiar. Deixamos de nos encaixar junto aqueles a quem nutrimos tanta admiração, tanto carinho, mas simplesmente estamos sendo chamados a sair a nos descobrir.

É isso que a solidão faz. Ela se torna um chamado se soubermos trabalhar com equilíbrio diante desse sentimento, dessa luz em nossa vida. Sim, a solidão é uma luz, pois como uma dor é um chamado para irmos ao encontro de nossa alma e descobrirmos aquilo que nos reprime, que nos aflige, que não nos permite descobrir nossa essência, nossa verdade.

E isso ocorre também nos núcleos familiares, quando somos levados pelo drama, pela vitimização, pela chantagem emocional daqueles que simplesmente têm medo de nos perder, de deixar ir aquele velho conhecido que tantas vezes o auxiliou. É apenas mais um medo de ficarmos solitários novamente.

Ao mesmo tempo, quando passamos por esse sentimento, temos uma enorme oportunidade de seguir nosso caminho, tomarmos contato com nossa alma, com nossa essência, rompermos com aqueles personagens e, quando preparados e prontos, voltarmos fortalecidos para ensinar aqueles que ficaram a fazer igual, para estendermos à mão. Deixamos o rastro para que eles compreendam que apenas fomos nos buscar, mas jamais deixamos de amar, apenas sentimos o chamado de nossa alma e a necessidade de rompermos com o vínculo que não nos permitia ser verdadeiros em toda nossa essência.

Assim são organizados esses núcleos. Através de um esquema que mantem todos presos nesse drama de auxilio mutuo, porém, paradoxalmente, onde todos se sentem mais confortáveis e seguros diante dos desafios da vida.

Quantos são aqueles que passam uma vida toda sem conseguir transcender os bloqueios, os medos, os traumas que nos trazidos pelo núcleo familiar? Ficamos presos pelo apego, pelo drama e, porque não, pelo amor que sentimos um pelo outro.

Nunca, porém, é demais lembrar que o verdadeiro amor liberta, permite que se vá. O verdadeiro amor é aquele que ajuda a fortalecer para que quando estiver pronto se vá, desvincule-se para que depois fique apenas essa lembrança de acolhimento em toda sua pureza, sem os dramas, sem as cobranças, sem as chantagens, sem aquele sentimento que teme a perda, que teme a solidão da vida.

A solidão no núcleo familiar, quando sentida, deve ser respeitada, deve permitir que se vá, que se acabe, para que assim o amor perdure, para que a verdadeira ajuda se dê, para que os membros desse berço cumpram seu propósito, que é se descobrir em essência e liberdade.

Thiago Strapasson - 28/08/2017

Fonte: www.pazetransformacao.com.br